23 Aug
23Aug


                                                                                                 A famosa palavra “cena” no âmbito musical autoral causa muita discussão entre alguns músicos e compositores Foto: Dom Gouldcontra outros da mesma área. Para uma parte, utopia. Para outra, a solução para a saída do anonimato. 

“Cena” nada mais é do que um grupo de bandas de trabalho autoral que movimenta o cenário (daí o nome) de algum lugar específico, de forma que os projetos mútuos concedam força um ao outro, fazendo com que os fãs e amigos dos músicos se envolvam na proposta, e a massa chame a atenção, tornando aquilo um local de vista para além desta própria região. 

A cena mais famosa do rock do Brasil, como exemplo, fora encontrada em Brasília no início da década de 1980, quando bandas de muito potencial se auxiliavam e traziam o público para movimentar o pacato e entediante Distrito Federal. Logo, apreciadores musicais de outros locais do país ficaram cientes deste movimento e começaram a seguir esta cena, fazendo com que os grupos se tornassem mais interessantes do que os que caminhavam “sozinhos”. Dentro desta cena, tivemos três bandas que fariam mais tarde, muito sucesso em todo o país, que eram o Capital Inicial, a Plebe Rude e a mais amada do que contestada, Legião Urbana. 

Também de grande força, houve, na mesma época, mas na cidade de São Paulo, a cena do punk local, que incluía bandas que foram também essenciais para o rock do país, apesar de estas ficarem com menor espaço nas mídias que as bandas brasilienses, provavelmente devido ao seu som mais pesado e menos “popular”. Dentre elas, Inocentes, Restos de Nada, Cólera, Olho Seco, Ratos de Porão, e claro, a banda de um amigo pessoal meu, o vocalista Finho, a 365, de grande sucesso com a música que dizia “Sem São Paulo o meu dono é a solidão”... 

Vale lembrar que cenas que funcionam em porte nacional são poucas, e, na minha opinião, a última foi no fim dos anos 2000, com as bandas “emo”, que colocou na mídia diversas bandas que foram importantes para a indústria fonográfica brasileira da época, como NX Zero, Fresno, Gloria, entre outras.

 


Mas voltando à Terra do Caqui, nossa cidade também se espelhou nestes cenários para montar sua “cena”, e isso não é de hoje. No entanto, ninguém sabe dizer o motivo, mas ela não despontou para fora das margens do Rio Tietê. Porém, isso não quer dizer que a cena não funcionou. Ela pode não ter tomado grandes proporções, mas se ela fez a cidade e seus arredores se movimentarem em prol de bandas autorais e seus discursos, podemos dizer que é uma cena. 

E, como estamos falando da nossa cidade, preciso dizer dos pontos que apoiam esta cena. Existem alguns deles, mas hoje especificamente, venho apresentar a Digi Club. 

Tempos atrás existia em Mogi um bar chamado Mais Brasil, em frente  ao colégio Deodato. Ele era muito frequentado por bandas covers e seus admiradores (excluindo o período em que era um point só de música brasileira, dando o nome). Era uma casa de Mogi como é o Buxixo. Bandas de São Paulo e região (poucas de Mogi) fazendo covers de bandas geralmente internacionais e seus sucessos. 

Porém, este ponto foi comprado pelo empresário Wendell Cruz, que veio com uma nova proposta, a de mesclar cover e autoral. Por mais que soubesse que o cover unicamente era mais rentável, Wendell propôs a ideia de fazer um bar misto, que movimentasse a cena e que também mantivesse as bandas covers. 

Após algum tempo, vendo que a nova fase seria algo completamente distinto do que fora, o empresário se juntou ao músico, produtor musical e, também empresário, André Marques, e eles acabaram por renomear o bar, tornando-o a Digi Club, exclusivamente de música autoral, para 

espantar todos os fantasmas apreciadores de Psycho Killer e atrair os novos, apreciadores de cena. 

Música autoral gera renda alta em proporções grandes da indústria fonográfica. Mas dentro de cidades, é um tiro no próprio bolso. Mas Wendell não voltou atrás, o que rendeu a ele mais tarde, saído de minha própria boca, o título de “O Empresário menos capitalista que eu conheço” e, ao renovar o bar, viu uma nova turma se apresentar às noites de “rolê”. O público de cena autoral é completamente diferente do público de cover de bandas consagradas. Enquanto o segundo acaba 

atraindo apreciadores mais velhos e de melhor estabilidade financeira, o primeiro é o contrário. Jovens com ideologias frescas na mente (jovens costumam tê-las) e com menos poder para consumir, era o novo público tanto de músicos quanto de clientes. 

Mas independente do nome, o bar ministrado pelos empresários (mais tarde André seguiria com outro projeto) trouxe força ao underground de Mogi das Cruzes e região. Diversas bandas do meio fizeram parte desta história bonita de luta pelo ideal do autoral. Dentre elas, Wendell cita Bruxos Modernos, MotocontínuoUniverse Garden, TopsyTurvyColletiveRevenge Life, Refúgio, Maquiladora, Desisto, dentre outras, inclusive que fizeram suas estreias no palco da casa, como Elefantes de Marfim, provando que o espaço é um lar de oportunidades para as novas bandas 

locais. 

Diversos eventos de bandas foram promovidos no bar, entre eles o Noite Alternativa, organizado e produzido pelos Bruxos Modernos, e a Festa dos Virgens, produzido pelo próprio Wendell Cruz e por Camila Dorizio, festa que tem este nome pois iniciou seu trabalho com o objetivo de comemorar com aniversariantes do período virginiano do calendário astrológico, e que acabou ganhando edições fora da época, tamanho o sucesso do evento, que contava com grupos musicais da cidade nos palcos. 


Além de tudo isso, também houve um programa de bandas autorais no estabelecimento, ao estilo de Perdidos na Noite, com apoio do próprio Wendell, chamado Palco Invisível, que trazia bandas principalmente de Mogi, para tocarem e serem entrevistadas em modelo audiovisual, e que 

o empresário topou fazer pelos sábados à tarde para ajudar a cena local a se promover. 

Podemos ver então que, mesmo com as dificuldades que existem, há quem se interesse em investir na arte autoral de Mogi, e por isso ela é mantida viva atualmente. Hoje, a Digi Club passa por um processo difícil, em que busca arrecadar doações por meio deste link 

https://benfeitoria.com/ajudeadigi?ref=benfeitoria-pesquisa-projetos 

para que, após as dívidas geradas pela pandemia, possa continuar promovendo arte no espaço, como Wendell sempre buscou fazer. Este é um momento em que aqueles que apreciam (músicos e ouvintes do autoral) este trabalho de menor ambição financeira, mas de maior amor à arte, precisam retribuir não só para o empresário que tanto promoveu a existência dessa cena, mas para que o próprio músico/ouvinte continue tendo pela cidade, um local destinado a este tipo de trabalho. 

Se um dia nossa cena sairá dos nossos vales e tomará conta de algo mais expansivo, não se sabe. Mas sabe-se que, enquanto houver quem apoie, como o Wendell, o André e os amantes do autoral, a cena mogiana terá espaço, e os artistas daqui não sucumbirão às sombras de uma indústria  fonográfica interesseira e pouco flexível. 



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