18 Jul
18Jul


É curioso pensar na palavra “desconstrução”. Ela não é sinônimo de “destruição”, apesar de lembrar-nos. Construir algo é difícil e demorado. 

Destruir, fácil e rápido. Como uma casa, que gasta bem mais tempo, dinheiro e trabalho para ser erguida do que para ser demolida. 

Desconstruir é, no aspecto citado, como construir. Não se pode chegar com uma marreta e quebrar tudo. É preciso ir tirando tijolo por tijolo, para ser construída de novo aquela parte, mas com algo melhor. Portanto, o trabalho é igualmente árduo. 

“Desconstruir” é um termo muito usado hoje em dia na questão social, já que a sociedade construiu conceitos e padrões ruins ao longo da história, e agora, queremos mudá-los. Mas hoje vim falar sobre desconstrução em um aspecto que não deixa de envolver o social, mas em um âmbito um pouco diferente, o artístico. 

Eu, Leo Seth, autor deste artigo, tive uma banda aqui em Mogi com o artista Gabe Fortunato que durou de 2012 a 2018, o Baixo Clero. Lá, tocávamos o que os jovens costumam tocar em uma banda, o rock, o punk, entre outros estilos considerados “padrões” para a juventude. No ano seguinte após nossa banda encerrar seus trabalhos, o próprio Gabe começou a demonstrar uma nova fase em sua vida artística, buscando referências menos saturadas e mais específicas, e logo montou seu novo projeto, o Drama em Crise. 


Bebendo de fontes MPBistas antigas e alternativas, de menor teor “pop”, como Tom Zé e Arrigo Barnabé, sua cabeça musical, e política inclusive, pude perceber, tornou-se outra. Eu não entendia muito o que estava acontecendo a princípio, mas logo fui clareado. Ele buscava a “desconstrução” artística, como seus ídolos citados também fizeram tempos atrás. 

O “pop” dentro da arte, ou mais especificamente, dentro da música, é nada mais que uma questão de regras básicas a serem seguidas para que uma obra cative massas. O rock e o punk, que tocávamos juntos, possuíram na história da música uma grande influência popular (por mais que hoje estejam um pouco fora dos holofotes), e então esses gêneros tinham uma abertura maior no quesito multidão. 

Porém, sempre colocando a arte e o prazer de fazê-la a frente do sucesso, Gabe montou o Drama em Crise para, como uma casa construída por “pedreiros midiáticos”, desconstrui-la e construí-la novamente, e mostrar que a arte vai bem além do que vemos a mídia nos empurrar. 

Na guitarra e voz, Gabe é acompanhado pelos integrantes Sergio Jomoriex-guitarrista da banda Falso Vetor, no baixo e teclado, Leonardo Doreaex-baterista do Slow Mind (inclusive na oportunidade que tocaram para mais de mil pessoas abrindo na Virada Cultural Mogiana o show da NX Zero) e da meteórica banda Palhaço Caolho, na bateria, e o único integrante de fora da nossa terra do caqui, o paulistano Guilherme Araújo, na flauta transversal. 

No dia 14 de novembro de 2019, no Centro Cultural de Mogi das Cruzes, o Drama em Crise fez sua estreia, ao lado do também estreante Incidente Kamikaze. Eu ajudei a organizar o evento, e por isso também, estava lá apreciando o novo trabalho de meu parceiro musical. Tempos antes, ao saber que a banda possuiria um flautista transversal, já me deparei com uma das manifestações da arte mais peculiar do grupo. Acostumado com guitarras e no máximo algum teclado, este instrumento com certeza faria a banda caminhar para algo diferente do esperado. 

No decorrer do show pude perceber o quanto descontruir algo artístico é maluco e instigante. As melodias e as letras não eram como o público provavelmente aguardava antes de saber da ideia da nova proposta. As críticas agora eram mais implícitas, e as melodias mais inesperadas. 

Juntando a performance de palco e a maquiagem que carregavam nos olhos, além da proposta, senti estar vendo os novos Secos e Molhados (banda que lançou o cantor Ney Matogrosso). Até uma das músicas que eram do Baixo Clero e foram reaproveitadas, intitulada “SP”, deixou de ser punk e foi completamente desconstruída, com variações entre ritmos acelerados e calmos que surpreenderam ao público, além de uma parte excluída. 

Fora isso, durante o decorrer do espetáculo, que se misturava com algo teatral, a banda parava e Gabe pedia “silêncio” para o público na performance, enquanto muitos se assustavam, e do nada explodia de volta com sons e gritos ensaiados, além de também, em outra ocasião, sob “barulhos” instrumentais, o vocalista recitar uma poesia criticando as letras “eu-lírico-cêntricas” (se posso inventar esta palavra), ou seja, que só falavam do eu do poeta, de seu ego. 

 No decorrer dos demais shows que vi do conjunto, as desconstruções foram se ampliando. As maquiagens mais pesadas, as performances mais teatrais, as letras mais rebuscadas e os sons menos padronizados. Fugir das leis do padrão artístico era cada vez mais a proposta da banda. E pelo que o vocalista disse, eles querem continuar cada vez mais desconstruindo e experimentando, até chegarem no ponto desejado. 

Realmente é um caminho diferente a se seguir na arte. Manter vivo um projeto já não é coisa fácil, imagine ainda de forma que o prazer artístico venha muitíssimo antes do lucro financeiro e da repercussão popular. Mas a banda está percorrendo bem este trajeto, e mantendo-se fiel à proposta maravilhosa de ser livre. A arte nos liberta de algumas amarras. Ao Drama em Crise, de todas. 



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